Tortura, Jogo e a Experiência Negra
DOI:
https://doi.org/10.30962/ec.2618Palavras-chave:
play studies, tortura, raçaResumo
Este ensaio considera como a experiência do povo negro descendente de escravos na América do Norte nos ajuda a repensar uma definição de jogo que tem sido amplamente determinada por pensadores e filósofos trabalhando dentro de uma tradição branca europeia. Essa tradição do jogo, teorizada mais famosamente pelo historiador holandês Johan Huizinga, pelo sociólogo francês Roger Caillois, pelo psicólogo suíço Jean Piaget e o neozelandês Brian Sutton-Smith, lê o jogo em um sentido majoritariamente positivo e garante que certas práticas, nomeadamente a tortura, são tabu, e, portanto, não podem ser jogo. Eu argumento que essa abordagem sobre o jogo é míope e se relaciona com um discurso global preocupante que torna invisíveis as experiências de povos negros, indígenas e pessoas de cor. Em outras palavras, ao definir o jogo apenas através de suas conotações prazerosas, o termo mantém um viés epistêmico em relação às pessoas com acesso às condições de lazer. De fato, a tortura nos ajuda a desenhar um quadro mais completo onde os potenciais mais hediondos do jogo podem ser abordados juntamente com os mais prazerosos, mesmo que, ao fazer isso, o trauma da escravidão seja relembrado. Ao repensar esta fenomenologia, eu foco em detalhar os modos mais insidiosos em que o jogo funciona como uma ferramenta de subjugação. Uma que machuca tanto quanto cura e uma que tem sido complacente com o apagamento sistemático de pessoas negras, indígenas e de cor do domínio do lazer.
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